sábado, 3 de outubro de 2009

Os prazeres da matemática

Às vezes o que eu gostaria é de uma injeção de matemática. Como pura heroína morfina na veia (não, não uso essas coisas).

Ter vislumbres matemáticos é ótimo. (Houve um pequeno período em que chamei essas coisas de "orgasmos mentais", embora esse nome seja produto de uma mente perversa disposta a impressionar as outras. Assim como outras mentes façam, embora elas passem impunes por si mesmas.) É fantástico, mas demanda trabalho, e ficar focado em alguma coisa, e pensar, pensar, até entender por si mesmo, achar espaço na sua cabeça pra acomodar aquela coisa. Por outro lado, dá um pouco de orgulho saber que conquistar e dominar tal conhecimento (geralmente não são dados, e sim um "programinha" de interpretar ou processar dados) custou um pouco.
Problemas de olimpíada geralmente precisam de um "tcham!" para serem resolvidos e são compensadores.
Teoremas e resultados mais canônicos dão prazer geralmente por confirmar o que parecia ser certo. Alguns são surpreendentes (por exemplo, como ser holomorfa torna uma função rígida, tanto que vale o teorema de Liouville), mas em geral eles são os esperados. O legal no caso é poder provar que aquilo é verdadeiro, que a nossa intuição está certa. Provar com rigor é muito legal mesmo, vocês precisam ver!

domingo, 27 de setembro de 2009

de renda

Uma coisa favorável que se pode dizer da carreira acadêmica em matemática é que ninguém a segue por causa de dinheiro. Não é que nem engenharia, medicina, direito, essas profissões que dão dinheiro e respeitabilidade (por causa do dinheiro). Não, matemática é uma coisa que você deve fazer se você gosta e tem alguma habilidade (bem, você pode adquiri-la, ou desistir pelo caminho), e isso é algo que se pode dizer que vem de você, vem do coração, ou ao menos é algo sincero que você faz porque é seu e não porque é uma carreira profissional que vai acrescentar um Dr. ou um Eng. ao seu nome.
Na verdade, pra um estudante como eu, um professor de universidade ganha muito (digamos, uns 5 mil por mês, inicialmente). Mas comparando com outras profissões, você precisa de uns dez anos de estudo para obter um doutorado (e acho que você não fará questão de ser chamado de doutor só por isso) e então poder trabalhar. Não é um grande custo-benefício se você for mesquinho a ponto de considerar o dinheiro como o maior benefício da sua atividade profissional.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Loucura? Que nada!

Muitos graduandos em matemática ou em física gostam de se dizer loucos, ou que no curso só tem louco, ou que seu curso é coisa de louco, ou sei lá o que.
Eu, na minha pessoa, digo: não, isso não é verdade. Vejo somente pessoas normais, com suas vidas progredindo. Tanto que vários professores do Instituto de Matemática da UFRGS são casados com outros (geralmente de outro sexo), e parecem levar uma vida normal. Quer dizer, ninguém é louco assim.
Na verdade, pra mim somos até estáveis demais: geralmente os matemáticos são empregados a universidades, e ficam ali com um emprego durável, sem muitas aventuras. Até há viagens, mas são seguras, programadas e com objetivos (colóquios, congressos...). Loucura? Só em momentos de folga, mas isso é normal. Como plano de vida, matemática ou física não é loucura.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Algumas experiências sobre a inatividade política dos amantes de matemática

A ideia dste blog surgiu com uma conversa no dia quatro de janeiro de janeiro deste ano. Era um estudante argentino de matemática comentando que no seu país os estudantes não se movimentaram sobre uma mudança nacional do currículo em matemática (ou algo importante assim). Dizia ele que estava errado, que não devia ser assim, que os matemáticos deviam ter mais participação nas discussões, principalmente sobre o que os envolvia diretamente.
Uma outra pessoa (do México! Foi meu primeiro almoço internacional) disse que lia jornal uma vez, mas deixou de ler porque tinha a sensação de que as notícias eram sempre as mesmas, que era sempre a mesma coisa, e que não adiantava ler. (Há tempos atrás também tive a impressão de que as notícias eram as mesmas. Agora acho que se pode acompanhar um pouco as mudanças no cenário político, econômico e militar no mundo pelos jornais e noticiários em geral. Queria poder apreciar, em sua totalidade, uma alteração do modo de pensar comum sobre alguma coisa mais abrangente. [Já percebi que mudou o ponto de vista geral sobre algumas tecnologias, como celular e computador.])
Um colega meu (agora voltando aos dias recentes, à minha realidade na UFRGS) falou a respeito destas pessoas que estão sempre protestando. Ele disse: "Cada um faz o que quer com seu tempo livre. Bem, eles acham inútil estudar matemática. Eu acho inútil protestar." Interessante.
Ontem fariam um levante, ou uma reunião, pra protestar contra a paralisação das obras do RU. Esse assunto me afetava diretamente, mas fui pra casa estudar.

As conclusões, por ora, se existirem, são por sua conta! Gostarei de conhecê-las.

(As postagens deste blog são como as raízes complexas de uma equação polinomial real: vêm aos pares. E eu não resisti a inserir uma piadinha neste blog.)

Aversão à utilidade

Alguns matemáticos (talvez eles só brinquem) gostam, de certa forma, que o legal mesmo dos seus teoremas e dos seus resultados não tenham aplicações, que sejam intangíveis para o uso prático. Em geral, alguns resultados que têm uma beleza avassaladora não parecem ter outras aplicações.
Pode-se discutir se usar teoremas de uma área em outra área da matemática é uma aplicação ou não. Penso que sim; alguns estudos algébricos podem fornecer a base para uma estrutura que tenha correspondência no mundo real. Embora seja difícil imaginar o que podem representar.

Contudo, a maioria das pessoas diz que seus resultados têm utilidade sabe-se lá onde.

Pra mim muita matemática é masturbatória. (E adoro praticar isso.)

quarta-feira, 18 de março de 2009

opinião sobre o abstrato

Um professor meu defendeu o abstrato. Disse que as pessoas têm preconceito com o abstrato, que acham que ele é inútil, que preferem trabalhar com o concreto. Segundo ele, acontece que se abstrai porque há tantas aplicações daquilo que nem precisa dizer quais são, e fica-se trabalhando somente com a estrutura.

Essa não é a minha opinião, mas algum sentido ela faz. É a melhor justificativa para se trabalhar com modelos abstratos: fazer as contas e os raciocínios de uma só vez. Feito isso, é só aplicar no que for preciso, nos motores, no sistema de esgotos, no crescimento populacional. O problema é que muitas aplicações são também "abstratas", ou seja, desenvolve-se matemática para resolver problemas da própria matemática. E isso é questionável, tendo em vista que dinheiro público é investido nisso.

(PS: Não foi bem assim o argumento dele... Mas também o raciocínio dele não foi bem límpido.)

terça-feira, 17 de março de 2009

dos salários

Sei que há várias opções para quem faz um curso de Matemática. Contudo, o meu enfoque serão os matemáticos que se dediquem à vida acadêmica, que envolve, principalmente, pesquisar e dar aula em universidades. (O tipo que provavelmente me tornarei no futuro.)
Sinto que os salários que os professores universitários ganham são muito altos. Que o que fazem não é tão difícil (bom, cada um terá a facilidade de desempenhar seu emprego conforme treine e ganhe prática...), e principalmente não tão útil para que ganhem tanto.
A maior infelicidade é que agricultores ganhem tão pouco por fazerem o que há de mais importante. Putz, enquanto trabalha-se para ensinar a base de matemática para engenheiros projetarem elevadores, aqueles que retiram o alimento da terra têm um trabalho árduo e são mal recompensados.
E tudo isso está sustentado no fato de que matemática não é tão útil à sociedade. Serve sim para projetar sistemas de esgotos, mas ainda assim há coisas que se estuda só por luxo, só por prazer, por não haver aplicação. (Aqui, um detalhe: pode ser que qualquer coisa inventada hoje tenha aplicação no futuro. Hardy era um matemático que tinha orgulho de sua condição de produzir matemática que não fosse diretamente aplicada ao mundo real. Hoje a área que ele pesquisava é fundamental para bancos e internet. [Não diminui a desigualdade social, note-se. Só facilita a dominância de quem detém o poder.])

Apesar de tudo, tenho que admitir que geralmente se precisa de uns dez anos até alguém se tornar um matemático mesmo, enquando um engenheiro ou médico precisa somente da metade e ganha muito mais, supostamente. (Devem ficar milionários muito rapidamente.) (Aliás, já houve quem desistisse da carreira matemática porque descobriu que ganharia "pouco".)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

a inutilidade da matemática

Parece que não há nenhum motivo para se convocar um matemático para alguma tarefa. (Diga-se a verdade: há outras profissões com o mesmo status. Por exemplo, um filósofo.) Não há nada no dia-a-dia que possa ser resolvido com ajuda da matemática. Saber provar a desigualdade de Cauchy-Schwarz, conhecer o Teorema de Stokes ou a série de potências do cosseno não adiantam nada. Só para aplicar e obter resultados mais complicados que menos ligação têm com a vida comum.

Só se presta ajuda para empresas: quem quer maximizar os lucros, contabilizar os negócios, saber a hora de investir. Isto é triste. Não quero servir a empresas nem a bancos. E passar adiante o conhecimento não será tão útil, já que só alimenta o ciclo. Como o homem que estudou, pesquisou, passou a vida inteira descobrindo como caçar dragões. Em sua velhice, percebendo que não existiam dragões, resolveu... ensinar a caçar dragões!

Matemática não reduz a desigualdade social, não alimenta os pobres (a não ser aqueles que estudem e sejam merecedores de bolsas de estudo e posteriormente salários de professores universitários). Não é tão útil. É ciência do capitalismo, de direita, que prefere manter as coisas como estão a mudá-las. Estudar matemática não mudará o sistema, nem nada. É uma solução individual para a vida. (Educação básica muda as pessoas, sim, construção escolas previne contra construção de prisões. Mas não se pode dizer o mesmo da matemática avançada que poucos chegam a conhecer.)

Introdução

Este blog tem a intenção de apresentar os aspectos sociais da vida de um matemático: sua função na sociedade, tentativas de esboçar um comportamento comum, talvez ensaios sobre a possibilidade de conhecimento.

Mas nada poderá dizer o que este blog será do que o que será.

Há um preciosa ambiguidade no nome do blog: O Vetor Normal pode significar tanto a vertente canônica, que segue os padrões, seguindo o significado comum de 'normal', como aquela que é heterodoxa, "ortogonal" às outras, que segue em outra direção, entendimento resultante do sentido matemático de 'normal'.